Os Homens São Diferentes!
Sou um arqueólogo e o Homem é meu campo
de estudo. Entretanto, cogito se alguma vez chegaremos a conhecer o Homem –
isto é, o que realmente o torna
diferente de nós, Robôs – através das escavações nos planetas mortos. Por
exemplo, uma vez eu conheci um Homem, e as coisas não as são tão simples quanto
nos contam na escola.
Nós temos poucos registros,
naturalmente, e Robôs como eu estão tentando preencher as lacunas, mas penso
que não estamos chegando a nada concreto. Nós sabemos, ou pelo menos os
historiadores dizem, que os Homens são originários de um planeta chamado Terra.
Sabemos ainda que eles viajaram corajosamente de estrela para estrela e em
outros lugares onde pararam deixaram colônias – Homens ou Robôs, e às vezes
ambos – aguardando sua volta. Mas nunca voltaram.
Aqueles foram os dias de glória do
mundo. Teremos nós envelhecido? O Homem tinha uma centelha ardente - o termo
antigo é “divina”, penso – que o impelia através da grande noite dos céus, e
nós não mais nos ligamos à grande teia que eles teceram.
Nossos cientistas contam-nos que o
Homem é muito semelhante a nós – o esqueleto, por exemplo, é praticamente o
mesmo de um Robô, excetuando-se o fato de que é constituído de compostos de
cálcio, em vez de titânio. Fala-se eruditamente de uma “pressão de população”
como uma “força impulsionando em direção às estrelas”. Sem dúvidas, há outras
diferenças.
Foi em minha última pesquisa de campo,
em um dos planetas interiores que encontrei um Homem, que deve ter sido o
último Homem desse sistema, e tinha estado sozinho por tanto tempo que nem mais
sabia falar. Depois que aprendeu nossa língua, demo-nos muito bem, e eu
planejava até trazê-lo de volta comigo. Entretanto, alguma coisa lhe sucedeu.
Um dia, sem razão alguma, começou a
queixar-se do calor. Verifiquei sua temperatura e concluí que seus circuitos
termostáticos se tinham queimado. Eu tinha um jogo sobressalente comigo, e,
como o dele obviamente não estava funcionando bem, lancei-me ao trabalho.
Desliguei-o sem problema algum. Enterrei a agulha no seu pescoço para desligar
o interruptor, e ele deixou de funcionar, como qualquer Robô. Mas quando eu o
abri, por dentro era diferente. E, quando o montei de novo, não consegui
fazê-lo funcionar. Depois disso não sei explicar o que aconteceu. O fato é que
ele foi se dissolvendo, e, na época em que eu estava pronto para voltar, mais
ou menos um ano depois, apenas os ossos tinham sobrado. Sem dúvida alguma, o
Homem deve ser diferente.
Por:
(Alan Bloch. Imaginação Ltda. São Paulo
: Edartes, 1996)
É realmente muito difícil perceber o outro
como diferente. Olhamos para ele com nossos próprios olhos, com a lente da
nossa cultura. Neste processo, é difícil deixar de ser etnocêntrico. O robô do
texto agiu com etnocentrismo em relação ao homem. Ele não considerou as
diferenças. Certamente, em escolas que hoje reúnem alunos, professores e
funcionários das mais diferentes etnias, de diferentes gêneros, de diferentes
perfis socioeconômicos, um dos maiores desafios é conseguir não olhar para o
“outro”, como olho o robô. Do contrário, mesmo com boa intenção, podemos
silenciar, interditar, excluir.
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